segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Meu início de carreira


                                                      
                    Fiz meu curso de Eletrônica por correspondência. No final, recebi certificado de conclusão (Válido na China), uma chave de fenda teste (neon) e 20cm de solda de rádio. O importante é que embora as lições sempre vinham fora de ordem, compreendi bem a maior parte do curso. Apenas uma vez as aulas foram trocadas por falha técnica e eu tive que estudar 17 lições de jardinagem. Mandei fazer um carimbo e imprimir alguns de cartões de visita e distribui em pontos estratégicos. Minha maleta de ferramentas estava pronta: Um multímetro de R$9,99, um jogo de chaves de fenda que comprei numa loja de R$1,99 e que por sinal uma delas tentou me matar por duas vezes, alguns pregos, um ferro de solda que dava choques, durex e meia dúzia de anzóis. Comprei um chip para o celular e alguns dias depois consegui meu primeiro cliente. Eram 10Hs da manhã quando alguém ligou:
- Alô! É daí que conserta televisão?
- Sim (respondi)
- O meu televisor não quer ligar mais. Você pode dar uma olhada?
- Posso sim. Qual a marca do seu aparelho?
- Acho que é... é Samgsuga ou Panashiba! Pera aí, deixa eu ver direito... É Samsungo.
                   Isso não iria fazer muita diferença, qualquer que fosse a marca ou modelo eu teria que encarar e botar o bicho pra funcionar. E lá fui eu. Peguei o primeiro mototáxi para o centro da cidade - e quase foi o último. Enquanto ajeitava o capacete que fedia mais que raposa morta em beira de estrada, o infeliz das costas ocas do mototaxista arrancou e eu dei uma cabeçada tão grande na sua nuca que devo ter esquecido ali 90% do que havia estudado.
                   Cheguei na casa do Sr. Evilásio alguns minutos depois. Estavam todos na varanda me aguardando com grande ansiedade, inclusive um cachorro rabugento e tarado que tentou abusar de minha perna. Nunca tinha visto uma coisas destas! Sacudi ele para uma lado e para o outro até que o infeliz largou minha canela e rolou morro abaixo.
                   Agora, estava diante do paciente. Um Samsung  de 20 polegadas. Tentava enxergar os parafusos para abrir o gabinete mas a sombra das cabeças dos filhos curiosos e do pai curioso me atrapalhavam. Com muito custo e depois de ter quebrado alguma coisa que estalou quando abri, fui logo alertando:

-Cuidado pessoal isso aqui tem alta tensão, chega a mais de 600 mil volts - é melhor sair todo mundo aqui do quarto enquanto eu verifico o que está acontecendo.
                 Meu papo não resolveu muito. Eles me olhavam meio incrédulos e deram apenas um passo atrás. Mas logo iriam se convencer...
- Liguei a tomada e apertei o botão do power. O bichinho deu um clique e nada. Desliguei. Aguardei alguns segundos e abaixei a cabeça bem próximo para tentar ouvir de onde vinha o clique. Liguei e levei um terrível choque na orelha - e até na minha sombra na parede podia vê-la vermelha.
- Agora, a turma não só deu alguns passos atras como saíram todos do quarto me deixando sozinho. Já estava totalmente confuso. A cabeçada no mototaxista, o cão tarado e depois o choque. O que eu deveria fazer agora?
- verificar se tinha alta tensão?
- Sim, é claro, ouvi isto numa das lições do curso.
                 Peguei minha maior chave de fenda, e mesmo assim não tive coragem de aproximá-la da chupeta do tubo. Peguei uma vassoura que estava próxima à porta do quarto e prendi a chave de fenda no cabo. Com isto, ganharia uma distância de quase dois metros com o braço esticado. E lá fui eu... quando a chave já penetrava por baixo da chupeta de alta tensão, um infeliz abriu a porta com tanta força dando uma cacetada na parte de baixo da vassoura, que eu simplesmente atravessei o Tubo com a chave em meio a um grande estouro. PUUUMMMMM... Agora não estava mais sozinho . Quase todos os vizinhos já estavam na casa, e os que não entraram enfiaram a cabeça pela janela perguntando se havia sido o botijão de gás!
- Sem falar no cachorro tarado que latia igual a um desesperado... Respirei fundo e tentei manter o controle da situação...
- Calma!, esta tudo bem. Este tubo estava afetado pelo efeito estufa e tive que explodi-lo antes que alguém se magoasse.
- Não pode ter sido vírus? - perguntou um idiota na janela.
- Vou ter que leva-lo para minha oficina pois lá tenho mais recursos para diagnosticar.
                 Os meses se passaram, e após muita procura consegui outro tubo usado em uma oficina de TV. Enquanto isso, seu Evilásio usava minha velha televisão preto e branco que fazia sumir a tela quando tinha vontade.
                 Passava horas e mais horas olhando para a placa do televisor sem saber direito   o que fazer. Isso me fez lembrar a dor de cabeça que me deu quando desmontei o radio do meu tio e não conseguia mais colocar aquela maldita cordinha que mudava as estações (tive que adaptar uma manivela no gabinete)!
- Resolvi então medir todos os díodos. Foram dúzias e em cada 5 que media um parecia estar morto, mas ressuscitava quando soltava uma perna e media novamente. Liguei para o Suporte Técnico do meu curso via telefone. Expliquei ao sujeito o que estava ocorrendo...
- Quando aperto o botão faz um clique e não acontece nada, etc., etc...
                Dias depois chegou a resposta pelo correio: Experimente lubrificar o cano com óleo menos viscoso e certifique-se de esteja usando balas no calibre apropriado. O jeito era continuar tentando. Bom, os díodos estavam todos o.k.. Resistências? nem pensar! - iria perder noites e mais noites com tabela de cores. Vamos então para os transístores. Comecei pelos maiores, e foi aí que veio a grande inspiração! Um deles, um C447 qualquer coisa parecia ter ido a praia com óleo de bronzear e tudo. Mal dava para ler o valor. Comprei outro e troquei. Devo omitir aqui que estourei uma trilha com meu ferro de solda, mesmo porque consegui emendar com um pedaço de fio. Horas depois estava tudo montado. Liguei a tomada junto a um disjuntor, me afastei um pouco e liguei o bicho ainda meio tremulo. Parecia incrível, mas o led estava aceso. Corri para pegar a antena e liguei, e lá estava a imagem! - é verdade que ficou um pouco de lado, mas com um pequeno ajuste no pescoço do usuário tudo ficaria bem... Nesse meio tempo já tinha outros equipamentos na bancada, e o primeiro da fila era uma tv p&b de 5" que ainda vinha com radio, toca-fitas, relógio, etc... Mas isso já é outra história.

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